Além da Lei Divina: O Perigo de Inventar Pecados

Logo nos primeiros capítulos da Bíblia, o Senhor expõe uma perigosa tendência da natureza adâmica: criar leis além das estabelecidas por Deus.
"E o SENHOR Deus tomou o homem e o colocou no jardim do Éden para cultivá-lo e guardá-lo. E o SENHOR Deus ordenou ao homem, dizendo: De toda árvore do jardim tu poderás comer livremente; mas da árvore do conhecimento do bem e do mal, dela tu não comerás. Pois no dia em que dela comeres, tu certamente morrerás." (Gênesis 2:15-17)
"E a mulher disse à serpente: Nós podemos comer do fruto das árvores do jardim; mas do fruto da árvore que está no meio do jardim, Deus disse: Não comereis dele, nem o tocareis, para que não morrais." (Gênesis 3:2-3)
O mandamento de Deus era claro: "Não comerás". Eva, porém, seja por medo, zelo excessivo ou influência de Adão ao repassar a ordem, acrescentou que não poderiam sequer tocar no fruto. Esse acréscimo marca o primeiro indício do que viria a ser o legalismo. Ainda que movida por sinceridade ou boa intenção, essa atitude a levou à queda. Primeiro, ela e Adão expandiram o que Deus havia dito, indo além de Sua Palavra. Depois, a serpente os seduziu com a promessa de serem como Deus, plantando a semente de uma autonomia que desafia o Criador. Não foi apenas a desobediência direta que os derrubou, mas o desejo de redefinir os limites divinos, uma tentação que começou ali e se espalhou por toda a humanidade.
Essa busca por legislar no lugar do Criador não acabou com Adão e Eva. Paulo fez uma acusação semelhante à igreja de Roma: "Porque, ignorando a justiça de Deus e procurando estabelecer a sua própria justiça, não se sujeitaram à justiça de Deus." (Romanos 10:3) Séculos antes, Moisés já advertia contra essa arrogância: "Não acrescentareis à palavra que vos ordeno, nem diminuireis dela, para que guardeis os mandamentos do SENHOR vosso Deus, que eu vos ordeno." (Deuteronômio 4:2) O padrão é o mesmo: o homem, em sua presunção, quer moldar a vontade divina aos seus próprios critérios.
Rotular como pecado o que Deus não proibiu é, em sua essência, um ato de rebelião satânica. Coloca nossa justiça e santidade acima das de Deus, o único Legislador perfeito (Tiago 4:12; Isaías 33:22). Se o Criador, em Sua soberania absoluta (Daniel 4:35; Salmos 115:3), não declarou algo como pecado, e nós o fazemos, arrogamo-nos um papel que pertence só a Ele. Tal erro reflete a presunção de Satanás, que quis erguer seu trono acima do Altíssimo (Isaías 14:13-14; Ezequiel 28:2), desafiando a autoridade divina e a ordem estabelecida por Deus desde a eternidade (Efésios 1:11). Não é diferente quando igrejas ou indivíduos criam listas de proibições extras, como se pudessem aprimorar a perfeição da lei divina.
A Escritura ensina que pecado é a transgressão da lei divina (1 João 3:4; Romanos 4:15). Nossa única regra infalível de fé e prática é a Palavra (2 Timóteo 3:16-17; Hebreus 4:12). Impor proibições onde Deus não as colocou é abraçar tradições humanas que anulam a Escritura (Marcos 7:8-13; Mateus 15:6; Colossenses 2:20-22), algo que Cristo chamou de hipocrisia (Mateus 23:4). Esse legalismo não é zelo verdadeiro, mas orgulho disfarçado, que ignora nossa total depravação (Gênesis 6:5; Romanos 3:10-12; Jeremias 17:9) e exalta o juízo humano acima da vontade soberana de Deus (Romanos 9:15-16; Êxodo 33:19). Paulo alertou os gálatas sobre essa armadilha: "Para a liberdade foi que Cristo nos libertou. Permanecei, pois, firmes e não vos submetais, de novo, a jugo de escravidão." (Gálatas 5:1) O legalismo escraviza, enquanto a Palavra liberta.
Essa postura é uma rebelião sutil, um eco da queda (Gênesis 3:5), em que o homem tenta redefinir o bem e o mal por si mesmo, esquecendo que só Deus conhece os corações (1 Samuel 16:7; Provérbios 21:2). Toda glória pertence exclusivamente ao Senhor (Romanos 11:36; 1 Coríntios 10:31; Apocalipse 4:11). Cabe a nós obedecer apenas ao que Ele revelou (Deuteronômio 29:29), sem somar ou tirar nada de Sua Palavra (Deuteronômio 4:2; Apocalipse 22:18-19). Qualquer tentativa de "melhorar" o que Deus ordenou é um sinal de incredulidade, como se Sua sabedoria precisasse de ajustes humanos.
Essa inclinação para redefinir os limites divinos, tão evidente nos relatos bíblicos, não ficou restrita aos tempos antigos. Ela se reinventa em cada geração, assumindo formas que refletem os valores e preocupações de nossa própria época. O que começou com Eva adicionando um 'nem o tocareis' ao mandamento de Deus evoluiu para tradições farisaicas que Jesus condenou e, hoje, se manifesta em proibições modernas que, embora pareçam bem-intencionadas, continuam a desafiar a suficiência da Palavra divina
Quando dizemos que doar sangue, ouvir música secular, beber ou fumar é pecado, colocamos nosso altar acima do de Deus. Mesmo com boas intenções, como cuidar da saúde ao proibir bebida e cigarro, ou educar os filhos ao vetar a correção, caímos no mesmo erro. A chamada "educação positiva" é um exemplo perigoso, não só para a criança, mas também para os pais, pois rejeita o que a Bíblia ordena sobre disciplinar os filhos. Muitos tentam classificar a correção como pecado, ignorando que a Escritura a estabelece como ato de amor e obediência:
"Aquele que poupa a sua vara odeia o seu filho, mas aquele que o ama, o castiga desde cedo." (Provérbios 13:24) "A tolice está ligada ao coração da criança, mas a vara da correção a afastará dela." (Provérbios 22:15) "Não retenhas a disciplina da criança; pois se tu bateres nele com uma vara, ele não morrerá; tu o baterás com a vara e livrarás a sua alma do inferno." (Provérbios 23:13-14) "A vara e a repreensão dão sabedoria, mas o filho entregue a si traz vergonha para a sua mãe." (Provérbios 29:15)
O que podemos aprender com esse erro original? Até mesmo boas intenções podem nos levar a um caminho errado. Criar novos "pecados", como a proibição de comportamentos não estipulados pela Palavra de Deus, nos leva a desviar do verdadeiro objetivo da obediência: viver conforme a vontade de Deus, sem acréscimos humanos. Quando nos baseamos em leis feitas pelo homem, por mais que pareçam proteger ou ser "boas", acabamos no mesmo erro de Adão e Eva, criando um sistema que nos afasta da liberdade dada por Cristo. A verdadeira liberdade não é imposta por regras humanas, mas pela obediência fiel à Palavra de Deus, que é perfeita e suficiente.
Além disso, precisamos entender que a liberdade cristã não é uma porta aberta para a imoralidade ou negligência, mas uma libertação do jugo do legalismo. Em questões que a Bíblia não regula explicitamente, como os assuntos chamados de adiáfora, práticas neutras sem condenação ou mandamento claro na Escritura, devemos agir com discernimento e sabedoria. O consumo de alimentos, o uso de bebidas ou escolhas culturais não são, por si só, pecados, a menos que violem a consciência ou levem outros a tropeçar, como Paulo ensina em Romanos 14:20-23. Nossa liberdade, portanto, é guiada não por proibições humanas, mas pelo desejo de glorificar a Deus em tudo o que fazemos, conforme 1 Coríntios 10:31. É essa liberdade, fundamentada na Palavra e no amor, que nos guarda tanto da rebelião quanto da escravidão às tradições dos homens.
Em resumo, não podemos permitir que nossas próprias interpretações ou zelosos acréscimos à Lei de Deus nos façam perder de vista o que Ele realmente ordenou. Em tudo o que fazemos, seja ao educar nossos filhos, adotar hábitos ou moldar nossas comunidades, devemos ser fiéis ao que Deus revelou, sem impor o peso de proibições humanas que não têm base na Escritura. A tentação de melhorar a perfeição divina tem sido uma armadilha desde o princípio. Que possamos caminhar na liberdade que Cristo nos deu, rejeitando qualquer forma de legalismo que busque nos afastar da obediência pura e verdadeira.