Culpa implícita

No catolicismo romano, existe o conceito de fé implícita, segundo o qual o leigo é justificado por seguir a orientação do sacerdote. De maneira análoga, nosso judiciário parece ter inaugurado a culpa implícita, na qual um indivíduo pode ser condenado simplesmente por pertencer a um grupo.
A essência da justiça exige que cada pessoa responda por seus próprios atos. Se alguém comete um crime, é essa pessoa que deve ser responsabilizada, e não terceiros que, por coincidência ou afinidade ideológica, se encontravam no mesmo ambiente. A correta aplicação do direito exige a identificação do responsável, o estabelecimento da culpa e a aplicação proporcional da pena. Condenar um inocente pelo crime de outro não é justiça, mas uma distorção perigosa do sistema legal.
Contudo, os tribunais têm se afastado desse princípio fundamental. A necessidade de provas concretas vem sendo substituída por uma lógica de associação presumida. Se um grupo comete um delito, todos os seus membros podem ser punidos, mesmo sem participação direta nos atos ilícitos. Basta estar presente, expressar simpatia pela causa ou manifestar opiniões contrárias ao regime vigente para ser alvo de sanções severas.
O caso da mulher condenada por pichar uma estátua na Esplanada dos Ministérios ilustra essa preocupante mudança. A única acusação respaldada por provas concretas é a de deterioração do patrimônio. No entanto, ao invés de responder proporcionalmente por esse ato, ela foi transformada em símbolo e condenada como se tivesse liderado uma tentativa de golpe de Estado. Sua pena não reflete o que de fato fez, mas sim a identidade política à qual foi vinculada.
Poderíamos argumentar que, caso ela tivesse um papel ativo na organização dos atos, sua culpa seria legítima. No entanto, sem provas desse envolvimento, a punição por associação permanece arbitrária e sem respaldo legal.
Quando a justiça passa a condenar indivíduos com base em sua afiliação ideológica e não em suas ações concretas, o sistema legal perde sua imparcialidade e se torna um instrumento de perseguição. O crime deixa de ser um ato individual e passa a ser uma etiqueta imposta a desafetos políticos. Esse precedente não apenas compromete a equidade dos julgamentos, mas também abre caminho para arbitrariedades futuras: hoje se pune um grupo por conveniência, amanhã se escolhe outro por interesse.
A justiça não pode compactuar com condenações coletivas. Quando se elimina a distinção entre culpados e inocentes, o direito é substituído pela vingança e o Estado de Direito se fragiliza. O que está em jogo não é apenas um caso isolado, mas os próprios alicerces da justiça e da liberdade.